domingo, 15 de maio de 2011

Por todas as primaveras [...]

E hoje, sempre quando caminho pela areia molhada, tenho a sensação de que ele está comigo. Sinto sua presença em todas as brisas suaves, vejo seus olhos lavados em todas as chuvas de novembro. Procuro abstrair as lembranças que trazem consigo esse transe melancólico, mas não consigo. Não sei se ainda o amo, ou se me arrependo de todo o mal que lhe proporcionei.

Foi em uma tarde de setembro. Fui passar o fim de semana com meus pais no litoral. Lembro-me que quando eu era menor, costumávamos fazer grandes reuniões de amigos em feriados e datas especiais, hoje, só me restam às lembranças. Eu estava no terceiro ano da universidade. Era uma pessoa razoavelmente feliz, antes de perdê-lo, ou talvez, antes mesmo de conhecê-lo. Aquele dia, eu caminhava tranqüilamente pela praia. A brisa soprava levemente meus cabelos que acariciavam meu rosto, e, ao mesmo tempo desmanchavam minha rotineira trança raiz. Fechei meus olhos por alguns segundos, apenas para ouvir o barulho do mar. Deitei-me na areia. As nuvens e as nuances do céu formavam figuras abstratas, em tons rosados e alaranjados. A praia estava praticamente deserta. Fiquei surpresa ao ver uma pessoa ao longe. Ele estava sentado, ao alto de algumas rochas. Reparei que apreciava a quebra das ondas abaixo de si de uma forma um tanto peculiar. Chamou minha atenção, então, me aproximei sutilmente. Subi a rocha lentamente. Confesso que não acreditava em destino, até ver a fita vermelha que prendia o fim de minha trança, se desprender, dançar pelo ar e cair no mar, ao seu lado. Ele se virou, e me olhou com certo desprezo.

Apertei minhas mãos, e me aproximei. “Olá” disse com certa melancolia. Ele me olhou. “Sinto muito pela sua fita” disse, sem fitar-me diretamente. “Não tem problema.” Houve uma longa pausa entre nós. Nesse momento um prévio feixe de luz focou seus cabelos escuros. A Iluminação era favorável, e se eu recuasse um pouco, conseguiria enquadrar o pequeno barco pesqueiro ao fundo. Seria uma foto perfeita. “Desculpe-me, mas nunca te vi por aqui antes.” Continuei, depois de recuar por alguns instantes. O silêncio era desesperador. Ele apenas admirava as ondas. Não demonstrava emoção alguma. Sua face sem expressão despertava, a cada segundo ainda mais o meu interesse – ou curiosidade – sobre aquela figura. Foi quando percebi estava sentada ao seu lado. É impressionante como quando agimos com a emoção, não damo-nos conta de nossos atos. Ele tinha um par de olhos escuros, pequenos e oblíquos, sua iris lembrava-me uma amêndoa. Um par de olhos amendoados, oblíquos, pequenos e dissimulados. “Nunca estive aqui. É a primeira vez.” “Ah... Eu moro aqui desde pequena, porém ando distanciada da natureza de uns tempos pra cá.” Fez-se novamente um longo silêncio. “Entendo, o lugar é lindo, me deixa inspirado” “Inspirado?” “Sim. Mas não sei ao certo para que. Ah, como sou afobado! Que indelicadeza a minha, chamo-me Octávio.” “Ah, digo o mesmo, me chamo Anna. Anna Lívia.” Sorri. Ele ainda não me olhava nos olhos. “Desculpe-me, mas preciso ir,” Disse. “Sem problemas, contudo, só queria saber como está. Sei que não diz respeito a mim, mas não o sinto muito bem” “Há muito tempo não sei o que é me sentir assim.” “Por quê?” Iniciou-se uma conversa pouco mais ritmada. “Perdi tudo o que tinha. Perdi minha vida.” Ele falou, ainda observando o movimento do mar. Olhei-o fixamente. Nessas horas não há muitas opções sobre o que dizer.

“Nossa vida é como o mar Octávio. Sempre o mesmo mar, porém nunca a mesma onda.” “É, você tem razão. Apenas não sei como agir na maioria das vezes, não sei como formar as ondas no mar da minha vida”. Aquelas palavras mexeram comigo de uma forma indescritível. Eu sentia que precisava ajudá-lo, mas não sabia como. “Faça aquilo que vem do coração, pois isso sim será um gesto verdadeiramente puro. Fazendo isso não há como ficar insatisfeito, amargurado, angustiado, ou sufocado.” Falei sem entender se quer uma palavra do que havia metralhado. “Eu agi com o coração Anna. Por isso estou aqui.” Aquelas palavras despertaram ainda mais minha curiosidade sobre aquele pequeno ser, abaixo agora de um céu cinza escuro, e diante da imensidão do mundo. “Quer falar sobre isso?” “Não sei.” Houve uma longa pausa mais uma vez. Uma pausa sentida. Dessa vez, acho que ambos não sabíamos como agir. “A verdade é que palavras bonitas são descartáveis perto de atitudes estúpidas.” Ele começou. “Não sei onde ouvi essa frase, mas não consigo tirá-la da minha cabeça.” “O que fez você vim até aqui?” “Eu vim de longe. O que me trouxe aqui? Não sinto mais vergonha de dizer, mas foi o medo. Ninguém abre a porta, mas ele entra assim mesmo. O medo se instala em nossa vida e nossos olhos passam desconfiança. E de todos os medos existentes, acho que os mesmos se baseiam e nascem apenas em torno do medo de não sermos amados.” “Fugiu por medo?” Indaguei. “Não dessa vez.” Fez-se um longo silêncio novamente. “Eu parti uma vez, por medo. Quando voltei, não mais a encontrei. Foi quando ela partiu. Não sei o que aconteceu com ela, onde ou com quem ela está, não sei se realmente me amou um dia. Ela, apenas sumiu. Talvez porque, antes de tudo, eu a abandonei. Desculpe-me Anna, mas preciso ir agora.” “Claro. Espero que consiga encontrar mais uma vez seu caminho.” “Obrigado” Disse, com a cabeça baixa. Ele se levantou, ia se distanciando quando se virou apressadamente. – Se eu conseguisse uma foto nesse instante, seria perfeita, pois o céu num tom cinza escuro encontrava – ao meu ângulo – o mar enfurecido. Mas ele... Ele ficaria em primeiro plano ainda, como se completasse, ou ainda, como se fosse o elemento principal do cenário. “Será que você poderia dar-me um abraço?” Perguntou um tanto inseguro, porém com um notável ar de coragem e precisão. Eu apenas sorri. Um sorriso morno, um sorriso terno. Esse é um daqueles momentos que, mesmo que você tente jamais acerta a expressão de sua face. Aproximei-me calmamente e o envolvi em meus braços. Ficamos assim por alguns segundos. Ele me olhou, - pela primeira vez naquela tarde - retribuiu o sorriso, e partiu.

                                                                                          'Quando eu vi você chorar'

domingo, 8 de maio de 2011

E em meio as constelações [...]

Por que as vezes sentimos que as pessoas estão longe de nós mesmo quando estão ao nosso lado todos os dias? Essa noite peguei-me pensando em você, novamente. Era o mesmo lugar, a mesma poltrona azul, a mesma sala escura, a mesma trilha sonora, porém o brilho era outro. O que fizestes comigo? O que eu fiz contigo? Por que mudamos tanto minha pequena criança?
Essa noite lembrei-me de quando sentamos ao crepúsculo para oobservar o surgimento das primeiras estrelas no céu. O movimento singelo de cada uma. Você acariciava meus cabelos, e não queria partir. Lembra?
Nesse momento, meus sentimentos então foram envoltos por uma nostalgia inexplicável. Eu estava diante do espelho, e mesmo sabendo que era eu mesma, era difícil reconhecer meu próprio reflexo.
Passou então diante dos meus olhos todas as cenas de suas crises de ciumes. O modo o qual você mexia suas sobrancelhas, e procurava sorrir para manter a aparência, porém ao virar-se apagava seu sorriso e desmascarava uma lágrima que rolava sem permissão. Sei que você imagina que eu jamais reparara, mas era tão único seu jeito de fazer isso, penso que depois do seu olhar tímido e de sua boca bem desenhada, é a caracteristica que melhor lhe cabe.
Se lembra ainda de quando você olhou em meus olhos e disse "você é tudo o que tenho?" parece que faz tanto tempo não é mesmo? Eu era tudo o que você tinha. E o que sou hoje? O que você é hoje? Eu não entendo o motivo de tantas questões assombrarem meu interior. Chego a pensar as vezes que parece o fim do nosso jogo. E machuca, dói, sangra. Sangra tanto que chega a escorrer pelos meus olhos, chego a transpirar dor, medo. Medo de deixar de ser sua pequena estrela. E por incrível que pareça, mesmo com esse medo que me move, tenho a esperança de que você está ali, do outro lado envolto em sentimentos, olhando para o céu, e me buscando em meio as demais constelações. Não, ainda não é o fim do jogo. É penas um ataque. E eu resisti.